domingo, 31 de março de 2013

Mais Maringá



Domingo, 31 de março
O telefone
Sobre a minha infância/juventude na cidade de Maringá, ocorreu-me outro episódio interessante, que passo a relatar:
Estava eu com uns 12/13 anos de idade quando minha mãe (que estava doente) ordenou que fosse telefonar para o colégio onde estudava para justificar minha ausência às aulas naquele dia. Eu nunca tinha usado um telefone. No bairro em que morávamos só existia um estabelecimento com telefone, uma serraria de um japonês.
Armei-me de coragem e fui até a serraria. O pessoal de lá me conhecia pois eu passava em frente todos os dias. Atendeu-me o filho do dono (não é necessário que eu diga que era nissei, né?). Ele me atendeu bem, mostrou-me a localização do aparelho e eu, meio trêmulo, perguntei como funcionava. Ele me explicou: você precisa discar o número certo, na sequencia certa (eu tinha o número anotado num papel) e ouvir o som que vem do outro lado. Se for tuuuu – tuuuu, assim bem espaçado, então o telefone está chamando; logo alguém vai atender. Mas se fizer tu-tu-tu-tu, assim bem rapidinho, então é porque a linha está ocupada. E nada mais disse nem lhe foi perguntado.
Fui até o aparelho e disquei o número, com muito cuidado para não errar. Naquela época era discar mesmo, porque o acionamento era feito através de um disco, na parte frontal do telefone (preto, sempre). Você enfiava o dedo num buraquinho correspondente ao número que queria, girava o disco até uma trava, soltava, ele voltava à posição original. Depois discava o número seguinte e assim por diante.
Muito bem. Eu disquei (essa parte a minha mãe me ensinou antes de eu ir fazer a ligação). Do outro lado veio o som: tu-tu-tu-tu. Ocupado. Eu entendi. E pensei: bom, do outro lado estão ocupados e não podem me atender agora. Vou esperar um pouco e alguém, com certeza, virá atender (achei que era como se ficasse num balcão, esperando a vez para que um atendente me atendesse). Fiquei assim por vários minutos (não lembro bem, mas acho que foram uns quinze ou vinte minutos). Como ninguém se dignasse a me atender, recoloquei o fone no gancho e fui embora.
Em casa eu disse para minha mãe que tinha ligado e que, no colégio, tinham anotado a justificativa (foi uma mentirinha piedosa – em benefício próprio, claro!)

Uma Feliz Páscoa para todos.

sábado, 30 de março de 2013

Maringá de novo



Sábado, 30 de março
O meretrício
O leitor João Batista, que se diz maringaense da gema, me questiona via e-mail sobre a matéria publicada na quarta-feira passada (na verdade a postagem só aconteceu na quinta). O João Batista, na verdade, gostou do texto, mas me pergunta sobre a minha relação com a cidade do norte paranaense.
Eu morei em Maringá durante os anos mais dourados da vida. Posso dizer que fui criado em Maringá, onde vivi desde os oito anos, quando meus pais se mudaram de Curitiba para lá e de lá só saí aos vinte anos de idade. Muitas peripécias da mocidade, da juventude, foram vividas em Maringá. Na fase final da adolescência eu costumava freqüentar uns estabelecimentos altamente especializados num bairro da cidade chamado Vila Marumbi. Popularmente essa região era conhecida como zona do baixo meretrício. No começo, como eu só tinha 17 anos, precisava fugir das batidas policiais, pois era proibida a presença de menores de 18 anos naqueles estabelecimentos. Fugir da polícia até que não era difícil, mesmo porque algumas moças mais humanitárias sempre nos davam cobertura. Digo “nós” porque eu não era o único naquelas condições.
Hoje eu fico raciocinando: se a Vila Marumbi era a zona do baixo meretrício, é porque havia também o alto meretrício.
Mas esse eu nunca freqüentei.

Sexta-feira Santa



Sexta-feira, 29 de março
Dia santo para a Cristandade
A Sexta-feira Santa (hoje) é um dos feriados religiosos mais respeitados pelos cristãos. Cerca de um terço da humanidade venera este dia como sendo aquele que marca a crucificação de Jesus Cristo. Segundo os registros apostólicos, Jesus teria ressuscitado no terceiro dia após a sua morte, o que corresponderia ao Domingo de Páscoa.
Vale lembrar, entretanto que, se um terço da humanidade professa o credo cristão, outros dois terços vêem a religião sob putros prismas. Me lembra um ensaio que escrevi há cerca de um ano. Ei-lo:
Alguém pode ser considerado culpado pelo fato de ser baixinho? É óbvio que ninguém tem a estatura diminuída por vontade própria. Dependendo do caso – na maioria deles, presumo – a pessoa considerada teria até mesmo uma estatura relativamente elevada, se lhe fosse permitido escolher. Mas, enfim, a configuração do corpo é uma coisa que depende de fatores alheios ao arbítrio do cidadão. Assim como a cor da pele ou dos olhos e outras características físicas da anatomia. E se as características físicas são assim, que diríamos então dos predicados mentais de uma pessoa? Um certo indivíduo poderia ser responsabilizado pelo fato de ser inteligente ou, por outro lado, por seu grau de inteligência for mais ou menos limitado? É claro que a resposta não poderia deixar de ser negativa.
Demonstrado que determinada pessoa não pode ser levada a assumir a culpa pelo seu grau de inteligência, não pode ser ela responsabilizada por algumas escolhas feitas ao longo da vida, especialmente quando essas escolhas dependem, em maior ou menor grau de uma análise ponderada que dependa de alguma das faculdades do seu intelecto, como a agudez do raciocínio, a memória ou, enfim, qualquer outra característica que implique diretamente na sua qualidade intelectual. Em palavras mais simples, o que foi exposto acima pode ser resumido desta forma: ninguém pode ser culpado por ser burro, mesmo porque não foi essa pessoa que criou a própria inteligência. E, sendo assim, ninguém pode ser condenado – ou premiado – por ter escolhido ser católico ou protestante, evangélico, agnóstico ou ateu. Ou muçulmano ou budista. O livre arbítrio, ou seja, a escolha consciente de um indivíduo, está ligada diretamente à sua capacidade intelectual. A opção religiosa inclusive.
A proposição exposta pode provocar questionamentos. Já imagino alguém contestando com a afirmação de que, em muitos casos, a escolha religiosa não depende apenas do livre arbítrio do indivíduo e, menos ainda, de uma análise vinculada aos seus dons intelectuais. Concordo que, realmente, muitas vezes o sujeito seja levado a uma determinada prática religiosa independentemente de sua vontade. Isso acontece de forma quase natural em muitos tempos e lugares e se liga, quase sempre, aos costumes e tradições familiares responsáveis pela limitação do horizonte intelectual da pessoa. Uma argumentação desse tipo, longe de invalidar a tese da não-responsabilização pessoal pela alternativa religiosa escolhida, ainda a reforça, pelo fato de desvincular a opção do raciocínio intelectual. Nesses casos, o sujeito não é católico, evangélico ou muçulmano porque quer, mas sim, porque foi levado a sê-lo. E, dentro da sua limitação mental não encontra outra maneira de exercer a sua religiosidade a não da forma que lhe foi impingida.
A verdade é que nenhuma das religiões hoje praticadas tem a hegemonia absoluta no nosso planeta. Mesmo o cristianismo, desconsiderado o fato de estar segmentado em centenas de seitas, não é praticado pela maioria absoluta dos mortais. Deve estar, hoje em dia (dado atualizado hoje), em torno de 2,2 bilhões de seguidores (desde os fanáticos até os praticantes eventuais). Sendo o mundo atual habitado por um pouco mais de 7 bilhões de pessoas, temos que os cristãos não chegam à terça parte desse povo todo. O segundo maior grupo religioso é o dos muçulmanos, com cerca de 1,7 bilhão. Depois vêm os “sem religião” (ateus, agnósticos e assemelhados) com pouco mais de um bilhão. Se considerarmos todas as religiões orientais juntas (budismo, hinduismo, xintoísmo, taoísmo e outras) seu público passa o islamismo e chega a uns 2 bilhões de seguidores, mas mesmo assim fica abaixo do cristianismo. Seja como for, ninguém pode ser considerar “o dono da verdade” (seria Deus tão cruel a ponto de deixar a maioria dos humanos incorrerem em erro?)
Acho mesmo que Deus ainda não foi bem explicado por ninguém.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Vândalos




Quinta-feira, 28 de março

Estudantes?

Finalmente habemus internet. Por isso estou postando hoje as matérias desde o início da semana.

De novo, por qui, só a agitação provocada por um grupo de estudantes na Prefeitura de Porto Alegre. Fizeram uma verdadeira arruaça, protestando contra o aumento das tarifas do transporte coletivo da cidade. Realmente, custando R$ 3,05, a passagem do ônibus em Porto Alegre é a mais cara do país, muito embora não apareça um motivo mais claro para justificar esse preço. Mas isso, por sua vez, também não é justificativa para o quebra-quebra dos estudantes.
Detalhe: a arruaça teria sido promovida pelo Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, uma instituição que deveria dar exemplos de cidadania e decoro. Pelo visto, incentivando a baderna, estão contribuindo para o florescimento de uma safra de cidadãos muito educados e conscientes dos seus direitos. Sem comentários.

Vizinhos da Dilma



Quarta-feira, 27 de março

Internet

Ainda sem internet na casa nova. Esta estada em Porto Alegre me ensinou uma coisa. É muito diferente mudar-se para uma casa já pronta e equipada e mudar para uma em fase de construção (mesmo que seja só na fase de acabamento). Os pequenos detalhes que precisam ser ajustados, como a rede de água quente que não tem pressão, a ligação de luz que a concessionária não vem ligar (a casa está com uma ligação provisória), as luminárias que ainda não foram instaladas, o chão que precisa de uma limpeza pesada, os interruptores que não funcionam, o controle remoto da TV que foi perdido na mudança, as telhas que foram quebradas pelo pessoal da construção, as calhas que estão vazando e por aí vamos.

Nem mesmo o fato de sermos quase vizinhos da presidente Dilma Rousseff (a casa dela fica a uns 200 metros daqui) serve de consolo. Os vizinhos até acham um incômodo quando ela aparece por aqui, tal a agitação de repórteres, fotógrafos e assemelhados que rondam por aí.

Ingá

No terreno da casa há um pé de ingá. Muitos gaúchos não conhecem o ingá (alguns chamam de angá) e eu estive contando para alguns operários da construção e para os profissionais do acabamento algumas histórias sobre o ingá, que é uma frutinha comestível que dá em vagens como o feijão (come-se apenas o envoltório dos grãos), muito apreciada por algumas espécies de passarinhos. Falei, por exemplo, da história de Maringá, uma cidade cujo nome tem íntima relação com o ingazeiro.

Repito: lá pelos idos da década de 40 do século passado, o nome Maringá foi cunhado pelo médico Joubert de Carvalho, já falecido, autor da música Maringá, nome que é, por sua vez, uma contração de Maria do Ingá. Essa Maria do Ingá seria uma moça do sertão nordestino que partiu em busca de uma vida melhor, fugindo da seca inclemente que assola (ainda hoje) o interior do Nordeste. Como um caboclo protagonista da música nutria, supostamente, uma paixão pela Maria do Ingá, aparece na letra lamentando a sua partida, cantando:

Maringá, Maringá

Volta aqui pro meu sertão

Pra de novo o coração

De um caboclo assussegá.

Antigamente, uma alegria sem igual

Dominava aquela gente

Da cidade de Pombal

Mas veio a seca

Toda a chuva foi s’imbora

Só restando intão as águas

Dos meus olhos quando choram.